Eram para aí vinte e três e trinta quando, do nada, se instalou a puta da confusão no Bairro. Vim à janela e ele era caixotes do lixo a voar, pedras da calçada, garrafas de vidro, esfregonas da cozinha, um pandemónio. Atiro-me pelas escadas a baixo porque isto, pessoas, é mesmo assim, por mim, podem embebedar-se e matarem-se todos à paulada, agora no meu carro, pá, no meu carro ninguém toca. Chegada à rua, ele é gente com a cabeça partida, gente a sangrar, os vizinhos paquistaneses todos nas rua armados com vassouras e paus e o caroço, bem um granel que só visto. Quando olho para o jipe deles [que por acaso estava mesmo coladinho à minha pobre mas honrada viatura] e vejo os vidros todos partidos, ia-me apagando toda ali. Nisto chega a polícia. Para aí uns sete, todos armados com umas pistolas grandes e vai de irem directos aos meus vizinhos e tudo encostado à parede, tudo de mãos ao ar, tudo a revistar aquela gente toda. Ora eu, que um dia ainda vou acabar toda esticadinha aí numa qualquer esquina escura, não me contive: “O Sr. Agente queira desculpar, mas deve haver aqui um pequeno lapso”..
Agente armado em eu é que mando nesta merda toda achou que podia ignorar-me e continuou a revistar os vizinhos paquistaneses que não só era quinta vez que viam os seus carros vandalizados como mal sabem falar português. Eh pá, aquilo mexeu-me cá com o sistema nervoso central de uma maneira que pulei para cima do banco do jardim e: “De todos os agentes que aqui estão quero a identificação do mais graduado e é já [eu um dia levo no focinho em grande, ai levo, levo] porque isto é uma vergonha. Os Srs. foram chamados para atenderem a uma situação de desordem pública e chegam aqui e desatam a revistar as vítimas, mas que palhaçada é esta, an, mas que palhaçada é esta? Estes Srs. [leia-se vizinhos paquistaneses] são gente de trabalho, pá, gente que sai de manhã para trabalhar e chega à noite, moram aqui há cinco anos e nunca criaram conflitos com ninguém, já por cinco vezes que os seus carros aparecem vandalizados e todos partidos e vocês chegam aqui e encostam as pessoas à parede assim. Mas o que é isto [de braços no ar em jeito de mega drama], o que é isto? Eu quero a identificação de todos e ninguém vai para a esquadra sem a presença de um advogado [eh pavão lindo, que uma gaja com os nervos até parece o super homem].”
Parou tudo. Paquistaneses atónitos, polícia especada a olhar e agente todo delicodoce vem ter comigo. Conversa para aqui conversa para ali, lá lhe expliquei que os bandidos eram outros e que os meus vizinhos se limitaram a fazer aquilo que qualquer pessoa normal faria. Que, também eu, se fosse alvo de vandalismo cinco vezes seguidas o mais certo seria, em vez de umas pauladas, passar-lhes mesmo com o carro por cima e que o Sr. Agente sabia perfeitamente bem, porque é raro o fim de semana que não se telefone para a esquadra, que havia um grupo de indivíduos [e atirava com o braço em direcção ao sítio onde estavam os trastes] que, não morando no Bairro, se juntavam ali para apanhar grandes bebedeira e vandalizar tudo o que tinham à mão, que bem sabemos que a PSP tem enormes dificuldades de meios, mas que chegados ao local de uma ocorrência haveria, também, que tentar perceber quem era quem e que eles tinham começado precisamente pelas vítimas, quando quem merecia três valentes murraças [e atirava com o braço em direcção ao sítio onde estavam os trastes] eram esses bandalhos que vivem à conta do orçamento e que não tendo que se levantar cedo para trabalhar, passavam as noites com a bunda sentada no Bairro dos outros. Nisto, os vizinhos que entretanto assistiam escondidos atrás das cortinas [cobardolas, pá]começam a aparecer na rua e tudo a dizer que sim Sr., que os paquistaneses são gente do bem e que os malandros eram outros e que, esses sim, é que deveriam ser revistados e detidos.
Resumindo, malandros identificados, paquistaneses a salvo, polícias já todos queridos comigo, que sempre que precisasse que deveria ligar para a esquadra, vizinhos, depois da calmaria, a arrotarem postas de pescada e palpites até à uma da manhã e eu, já refeita dos nervos, a dar conta de que estava no meio da rua com umas pantufas do Mickey.