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Hier Encore. |
Nem sei porque me agasto nestes monólogos. Por esperança não é, de todo. A descrença instalou-se de tal maneira e o tempo que correu, bom, o tempo que correu [e corre] ficou-me tão gravado na pele, quais rasgões vincados de um lado ao outro das costas, que eu não mais voltarei a ser a mesma de desfigurada que fiquei.
Por cumplicidade, também não. Tempos houve em que sim, em que pensei convictamente que, de vez em quando, sem exagerar, sem ser aborrecida ou exigente, mas assim de vez em quando, tu podias cuidar um pouco de mim. Que estarias ali quando e para o que fosse preciso [e Deus sabe como houve alturas em que precisei tanto]. Uma tontearia. Em bom rigor, numa inversão anómala de papéis, fui eu quem tomou conta de nós. Melhor, tomei conta de ti. Quase até à exaustão, quase sempre sem questionar, quase resignada, quase numa tão perfeita abnegação que quase me esqueci de mim. Até ao dia em que me olhei ao espelho e não me reconheci. Trazia um semblante carregado, carregado e disforme de tanto distrate.
Por isso não sei porque me agasto nestes monólogos. Por amor. Será por amor. Acho que faz tempo que confundo seja lá o que isso for com outra coisa qualquer. E é isso que me assusta. Assusta-me pensar que poderei ter perdido irremediavelmente quase vinte anos de vida não por esperança, não por cumplicidade, não por um amor que, ainda que exista, já foi tão corroído pela decepção que quase lhe perdi o rasto, mas por teimosia. Minha. Teimosia minha.
E agora. Como é que tudo isto se gere. Como é que se aceita que se viveu vinte anos de uma vida de fachada e obstinação, bem junto ali à porta dos fundos, [sem subterfúgios, sem dedos apontados] porque nisso consentimos. Não sei porque me agasto nestes monólogos.