13/07/2010

Ainda hoje consigo chantagear o meu irmão. Basta-me falar-lhe na “Dona Bilocas” e o puto rende-se logo ali. E perguntam vocês quem é a “Dona Bilocas”. A “Bilocas” era eu, dona de um famoso salão de cabeleireiro, por altura dos meus doze anos. Nesse tempo, em que tomava conta do mano nas férias de Verão, determinei que haveria de ser uma cabeleireira famosa.

Vai daí, todas as tardes penteava-lhe os longos caracóis que depois enrolava numas molas da roupa, em jeito de bigoudi. De seguida, espetava-lhe com os colares e os brincos da nossa mãe e rematava sempre com uma maquilhagem digna de puta de cabaré. E ai do miúdo que se queixasse, ai dele se ousasse conspurcar tamanho talento. De permeio, e porque o meu salão era dos finos, obrigava-o a comer bolachas maria besuntadas com caramelo líquido [parecia-me assim uma coisa gourmet] e a beber água morna [em jeito de chá mas sem chá]. E aquilo correu bem. Correu bem, até ao dia em que o nosso pai entrou em casa sem estarmos à espera e, olhando para o meu irmão, [qual puta de cabaré] desatou aos gritos: “Maaaariiiaaaaaaaaaaaa, mas o que é que andaste a fazer. Molas da roupa na cabeça do miúdo, os colares da tua mãe, os batons da tua mãe, minha desgraçada, vai já limpar a cara ao teu irmão”.
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E foi uma pena, pá, foi uma pena ter acabado ali aquilo que já durava há dois meses e poderia ter sido uma brilhante carreira. Ainda hoje, o meu irmão não suporta o cheiro do caramelo líquido [agonia-se todo, coitadinho]. Ainda hoje, o puto começa a hiperventilar e faz-me as vontadinhas todas sempre que falamos na “Bilocas”.