Fecham-se e abrem-se os olhos e uma década passou a correr. Ainda ontem uma família inteira recusava-se a dar-me tal notícia. Ainda ontem a minha mãe assumiu para si tal tarefa. Ainda ontem andei horas e horas caminhando perdida pelas ruas da minha cidade sem que me lembre, ainda hoje, quais os caminhos percorridos. Ainda ontem o adro da igreja estava cheio, carregado de luto, e eu sem suportar que as pessoas me tocassem, não que o seu conforto não me fosse querido mas tão só porque até a pele me doía. Ainda ontem os sinos tocaram às três e meia da tarde e nesse momento percebi que tudo aquilo era real. Às três e meia da tarde, os sinos tocaram, as pernas traíram-me e eu ajoelhei-me diante do teu corpo. Nunca até então tinha percebido que coisa era essa a que chamavam perda e que era capaz de nos deixar prostrados ao ponto de sermos incapazes de dizer o que seja, gritar o que seja, fazer o que seja.
Ainda hoje não consigo ouvir tocar os sinos de uma igreja. Ainda hoje sinto a falta do teu cheiro, das tuas mãos no meu cabelo, da forma como me chamando de “minha neta” me fazias sentir a pessoa mais amada e importante e especial do mundo inteiro. Ainda hoje, avó, no meio de todos livros, de todas as porcelanas e pratas, no meio das mantas e dos quadros, no meio de toda aquela ordem particular que reina em minha casa, as tuas fotografias continuam no hall de entrada e no meu quarto. Ainda hoje, preciso de te ver assim que chego a casa e de acreditar que continuas a vigiar-me os sonos.