08/02/2010

Eu ainda sou do tempo em que as pessoas iam à mercearia do Bairro [os mini, super e hiper-mercados eram coisa de estrangeiros] comprar não aquilo que verdadeiramente necessitavam mas tão só aquilo que o dinheiro de que dispunham permitia adquirir. No dia a dia, eram irrelevantes as preferências e os gostos de cada um. Comprava-se a fruta da época porque era a mais barata, pediam-se seis fatias de fiambre, quatro carapaus e, regra geral, as coisas eram embrulhadas em papel pardo que depois se aproveitava para absorver o excesso de óleo quando se fritava a comida.
Hoje, passados quase trinta anos, na mercearia do Bairro, voltei a recuar no tempo quando uma Senhora confrontada com o valor final das compras que tinha no saco, olhou para o dinheiro que trazia na mão e vagarosamente, com os olhos baixos, tirou duas batatas, três cenouras, um nabo, um shampoo e perguntou “E agora? Acha que chega?”.
Senti-me envergonhada por estar ali, por ter assistido a algo que não é bonito de se ver, porque a fragilidade dos outros não devia ter plateia, porque logo hoje não tinha dinheiro suficiente comigo, porque me lembrei da minha avó a pedir-me quase em silêncio “Hoje não pode ser querida. Talvez amanhã. Amanhã a avó compra-te aquelas bolachas, sim?.