29/01/2010

Pai, afasta de mim esse cálice.

A minha vida teve um AT [Antes de Ti] e um DT [Depois de Ti]. Foram dez anos, com um intervalo de dois, seguidos de mais uns meses [um take dois de um filme já visto e que insistimos em retomar]. É indiscutível que parte, grande parte, da mulher que hoje sou foi moldada no aconchego dos teus braços, da tua pele e do teu cheiro. Afinal eu era uma menina com vinte e um anos e tu assumiste na plenitude o papel que Nabokov criou, em tempos, para Humbert.

Nesse tempo, descobri que o amor pode vir em espasmos ou em sussurros, que há sentidos que vão mais além do que o toque, que o prazer acossa-nos ao ponto de um murmurado “fode-me” soar a súplica, que um simples olhar é suficiente para nos cortar a respiração, que numa relação a dois o único limite é o da aceitação das partes e que é possível o controle do ritmo ébrio a que os corpos se movimentam.

Percebi que há um tempo para fazer amor e um tempo de libertação do que de mais primário há em nós, que há um tempo para conversar e um tempo de silêncios, que há um tempo para insistir e um tempo para esperar, que há um tempo de confiança e um tempo de mágoas, que há um tempo para chegar e um tempo para partir.

E é precisamente este último que importa cumprir. Não é aceitável que, volvidos dois anos, continues a invadir-me os sonhos e que, enquanto durmo, te acomodes como se nunca tivesses saído da minha cama. Não é, sequer, viável se considerarmos que não tivemos qualquer contacto desde essa data, que tu nunca mais soubeste de mim e que eu nunca mais soube de ti.

Eu sei que a distância marcada pelo tempo, pelo espaço e pelos vinte anos que nos separam nunca foi condição. Sei que ambos permanecemos demasiado importantes na vida um do outro, que tu ainda te lembras de mim e que há sempre algo no meu quotidiano que traz de volta o teu cheiro. Sei que lamentas o não teres decidido e eu o não ter esperado um pouco mais. Sei que daqui a vinte anos continuaremos a lembrar-nos mutuamente e a velha questão de sempre [que será feito de ti] permanecerá sem resposta. Só que a vida é feita de tempos. E este é o tempo de partires. Porque eu preciso, por mim.